domingo, 17 de novembro de 2013

O PRISIONEIRO E SUA VERSÃO PERDIDA EM QUADRINHOS!



Tudo começa com uma música meio sinistra, mas com um ritmo típico dos anos 1960. Um homem dirige um carro moderno em alta velocidade e entra no estacionamento subterrâneo de um sofisticado prédio. Em seguida, ele caminha a passos largos e decididos por corredores mal-iluminados e, nitidamente transtornado, discute com um homem misterioso, sentado e confortavelmente protegido atrás de sua mesa. O homem alto e nervoso, esbraveja, golpeia a mesa e, finalmente, joga uma carta de demissão sobre a mesa. Batendo a porta atrás de si, ele parte e vai para a sua casa. Enquanto isso, a tal carta de demissão é levada por uma esteira automática e jogada na gaveta de um arquivo secreto. Arrumando as malas, o homem percebe quando seu quarto é invadido por um gás misterioso e, sem conseguir reagir, perde os sentidos. Homens vestidos em trajes funerários e usando cartolas o levam embora. Quando retoma sua consciência, o prisioneiro percebe que está em outro lugar. Então, cenas dele tentando desesperadamente fugir são mostradas com um estranho diálogo ao fundo:

Prisioneiro: Onde estou?
Número Dois: Na Vila.
Prisioneiro: O que você quer?
Número Dois: Informação.
Prisioneiro: De que lado você está?
Número Dois: Isso será dito... Nós queremos informação... informação... informação!
Prisioneiro: Você não a terá!
Número Dois: De uma jeito ou de outro, nós a teremos.
Prisioneiro: Quem é você?
Número Dois: O novo Número Dois.
Prisioneiro: Quem é o Número Um?
Número Dois: Você é o Número Seis.
Prisioneiro: Eu não sou um número; eu sou um homem livre!
Número Dois: (risada sonora ecoando)


E assim começava cada episódio da série britânica O Prisioneiro (The Prisoner), criada pelo ex-agente secreto George Markstein e por Patrick McGoohan, que atuou como o personagem-título. Na verdade, os dois criaram a série em 1966, enquanto trabalhavam juntos em outra série de espionagem chamada Danger Man (mais conhecida como Secret Agent, ou Agente Secreto, em outros países). Exibida no Reino Unido de setembro de 1967 a fevereiro de 1968, a série teve apenas 17 episódios, mas, por causa da complexidade de seus roteiros, não caiu no gosto do público. Afinal de contas, um outro agente secreto inglês conhecido como 007 havia conquistado a atenção do mundo inteiro com suas missões mirabolantes e explosivas...

Ainda assim, todo aquele conceito de um homem solitário lutando contra um sistema opressor e se recusando a ser apenas mais um número ficou marcado na memória de muita gente e atravessou décadas, provando que se tratava de uma série de TV muito à frente da época em que estreara. Suas reexibições ao redor do mundo conquistaram um público mais familiarizado com teorias de conspiração e o temor dos governos modernos e opressores. Com o passar dos anos, aqueles 17 enigmáticos episódios tornaram-se uma verdadeira obra-prima da cultura pop.


Eu me lembro muito vagamente de cenas de Agente Secreto e O Prisioneiro durante minha infância. Ambas foram exibidas pela TV Tupi. Engraçado como ficou gravada em minha memória a imagem de um homem correndo na praia e, depois, sendo engolido por uma assustadora e enorme bolha. Anos depois, já quase adulto, descobri que se tratava da série emblemática de Patrick McGoohan. Pesquisei muito e, aos poucos, consegui uma cópia de um episódio aqui, outra acolá... E assim foi, até que, finalmente, com a chegada das Tvs a cabo, pude assistir a todos os episódios no canal Multishow (quando ainda era possível assistir alguma coisa nele!). Enquanto trabalhei na Editora Globo, também tive a honra de editar a série em 4 partes O Prisioneiro, de Dean Motter e Mark Askwith. Não foi uma coisa de outro mundo, mas era o que havia disponível... Foi então que soube de uma outra adaptação em quadrinhos...



Na segunda metade dos anos 1970, a editora americana Marvel Comics comprou os direitos para produzir uma série de O Prisioneiro. A ideia inicial do projeto foi do escritor e então Editor-Chefe Marv Wolfman, um apaixonado confesso pela série de TV. Isso deve ter acontecido no final de 1975... A série deveria ser escrita por Steve Englehart e desenhada por Gil Kane! No entanto, com a volta de Jack Kirby à Marvel para produzir uma nova fase do Capitão América (que iria culminar no bicentenário da declaração da independência dos EUA), além de 2001: A Space Odissey, Black Panther etc, Stan Lee decidiu passar o projeto a ele. Uma história completa de 17 páginas foi escrita e desenhada por Kirby em fevereiro de 1976. No entanto, antes que a mesma fosse totalmente arte-finalizada e letrerada por Mike Royer, o projeto foi engavetado pelo próprio Lee.


A volta de Jack Kirby à editora que ele ajudou a consolidar como uma das mais criativas e rentáveis dos anos 1960 provou ser um ambiente cheio de disputas de egos e mágoas não-resolvidas. Muitos projetos encabeçados por ele foram sistematicamente “derrubados” e, aos olhos dos leitores, tudo indicava que “O Rei” havia perdido a velha mágica... Afinal de contas, ele havia deixado a DC Comics porque a maioria de seus projetos também tinham sido cancelados! Mas a história não é bem essa, como ficou provado depois... Infelizmente!


Durante anos, essa história “perdida” do Prisioneiro produzida por Jack Kirby povoou os sonhos de seus fãs ao redor do mundo. O conceito revolucionário da série de TV tinha muito a ver com o próprio quadrinhista: um homem teimoso e solitário lutando contra um sistema opressor que deseja apenas extrair seus segredos e “dobrá-lo”, mas ele permanecia forte e determinado em sua luta.

Cheguei a ver algumas poucas páginas da história em publicações especializadas, mas eu precisava ler a história toda! E isso tornou-se quase um Santo Graal pra mim!


Depois de tanto tempo, todas as míticas 17 páginas foram reunidas em 2013 para serem negociadas nesses leilões especializados em venda de artes originais de quadrinhos... Sabendo da minha paixão por Jack Kirby e pelo Prisioneiro, meu amigo Flavio Pessanha me mandou um link que disponibilizava as páginas digitalizadas numa resolução bastante razoável. Não perdi tempo e salvei todas o mais rápido possível. Meu desejo sempre foi poder ler essa lendária HQ e, quem sabe, poder traduzi-la e adaptá-la para outros fãs como eu. Pois bem... A minha versão em Português está aqui. Finalmente, pude realizar aquele meu velho sonho, que divido agora com você!

Se ainda não conhece a série de TV dos anos 1960, faça um esforço e corra atrás. Ainda hoje ela continua cheia de enigmas e é muito melhor do que muita coisa sendo feita ultimamente (há um remake de 2009, mas ficou devendo muito à obra original).

As páginas iniciais de um projeto que poderia ter sido um grande sucesso dos quadrinhos estão disponibilizadas abaixo. Primeiro, na versão em Português. Depois, na versão original em Inglês. Procurei manter as páginas próximas aos arquivos originais, mantendo as “sujeiras”, marcações e anotações originais. Espero que você aprecie!

E não esqueça: você não é um número!

Boa leitura!

– Leandro Luigi Del Manto

Atenção: As páginas e fotos disponíveis aqui pertencem aos seus respectivos detentores dos direitos autorais e minha intenção foi apenas divulgar uma parte da história dos quadrinhos.
































Acima, a versão desenhada por Gil Kane.

Abaixo, a versão original em Inglês produzida por Jack Kirby!

















4 comentários:

  1. King Kirby detona (sim, no presente mesmo! Ele continua vivo através de sua obra!) em tudo o que faz!
    Trabalho magistral!
    Grato Leandro, por este resgate.

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    1. Ah, meu amigo! Nesta postagem eu reuni minha paixão pela obra de Jack Kirby com minha paixão pelo seriado O Prisioneiro. E você tem toda razão: Kirby continua mais presente do que nunca através de suas obras, que dão um show de quadrinhos!
      Grande abraço!!!

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  2. Postagem super bacana, Leandro! Não sabia dessa versão feita por Kirby. Compartilhei no Facebook.
    Grande abraço!

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    1. Obrigado, Gilberto! Eu fiquei afastado do blog por causa de muito trabalho, mas agora estou decidido a postar mais aqui. Não tem muito sentido em ficar só gerando conteúdo e mas conteúdo no Facebook, quando podia muito bem abastecer meu blog e divulgá-lo no Face e em outras redes, não? Valeu pela força! Grande abraço!!!

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